Feminismo

Mulheres Trans: uma luta pela desmistificação

Hoje, 29.01, é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, o que inclui homens e mulheres, porém, aqui focaremos nas mulheres trans e seus estigmas. Deixando claro que, homens trans também merecem a credibilidade de terem suas vozes ouvidas e respeitadas. E que no feminismo há espaço para todas as mulheres, quaisquer que sejam. Acreditar que mulheres trans não se enquadram no feminismo, por terem sido criadas a princípio como homens, é acreditar em destino biológico, e isso é uma grande falácia. Dia 29 de janeiro de 2004, foi instituído o Dia Nacional da Visibilidade Trans, na então campanha: “Travesti e respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Em casa. Na boate. Na escola. No trabalho. Na vida”

São pessoas que lutam para existir e resistir em uma sociedade transfóbica. Enfrentam violência física, psíquica e emocional. Medo de serem assassinadas, hostilizadas e rejeitadas pela família. São privadas de trabalho, saúde e educação. Os seus direitos são negligenciados, pela falta de uma legislação abrangente. Lutam pelo direito a terem direitos.

Identidade de gênero é como cada pessoa se identifica, homem, mulher ou nenhum dos dois. Importante não confundir com orientação sexual, que é por quem alguém se atrai, sexual e ou romanticamente. Ou seja, é possível ser uma mulher trans heterossexual, homossexual ou bissexual, dentre outras. Pessoas transexuais são as que não se identificam com o gênero de nascimento e, se transacionam permanentemente para o gênero oposto. Pessoas transgêneros incluem pessoas trans, mas também drag queens, cross-dressers, travestis, genderqueer… por essa razão, não são necessariamente a mesma coisa. Trans em diferentes contextos podem ser, transexuais ou transgêneros, aqui iremos nos referir a mulheres trans de transexuais.

É importante entender as diferenças, pois a informação correta é fundamental para o fim de estereótipos e preconceitos. Gênero são construções sociais, enquanto sexo biológico são as características naturais. Nas palavras de Manuela D’Ávila em seu livro Por que Lutamos? “Gênero, então, é tudo aquilo que não é naturalmente “de menina ou menino” construído histórica e culturalmente e que a nossa sociedade cobra e entende como o comportamento adequado de alguém a partir de seu sexo seu biológico” continua Manuela “Menina nasce com vagina, menino nasce com pênis. Vagina não capacita ninguém para lavar louça. Pênis não torna ninguém jogador de futebol. (…) Quando nós citamos Simone de Beauvoir com o “não se nasce mulher, torna-se mulher” fazemos menção a isso tudo. A ideia de que não há um destino biológico para nós por termos útero e nem aos homens por não o terem. O nosso papel no mundo é construído socialmente.”

– MTF: Sigla para ‘Male to Female’ são mulheres trans, que transacionaram do masculino para o feminino.

– FTM: Sigla para ‘Female to Male’ são homens trans, que transacionaram do feminino para o masculino.

– Drag Queens: Na maioria das vezes são homens, mas também podem ser mulheres. Se vestem exageradamente de forma feminina para entretenimento. Apesar de ser uma expressão artística, é importante citá-las pois ainda existem pessoas que as confundem.

– Drag King: São principalmente mulheres, que se vestem de forma exagerada e caricata masculina. Assim como a Drag Queen, é uma expressão de arte.

– Travestis: O conceito de Travesti é algo que causa divergência, para entendê-lo melhor leia aqui.

– Cross-Dressers: São homens que por diversas razões, ocasionalmente, se vestem com roupas e acessórios considerados femininos.

– Não-Binários, Genderqueer, Terceiro Gênero, Gênero Fluído, Dois Espíritos, Pangênero, Andrógenos e Agênero: De uma forma geral (alguns são termos guarda-chuva) são pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino. Não está em nenhum dos dois, está entre os dois , ou é uma mistura dos dois. Tanto como identidade de gênero (não se considerar feminino nem masculino) como também, por exemplo, roupas não-binárias ou de gênero neutro. Se aplica em outras áreas.

– Disforia de Gênero: É o desconforto persistente, causando grande sofrimento, com as características sexuais e de gênero com as quais a pessoa nasceu. Não há relação com a orientação sexual. O conceito de Disforia de Gênero pode ser melhor explicado aqui.

– LGBTQIA+: Lésbicas, mulheres que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero. Gays, homens que sentem atração afetivo/sexual pelo mesmo gênero. Bissexuais, homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual por gêneros masculino e feminino (diferente dos pansexuais, que se sentem atraídos afetivo/sexual por todos os gêneros). Transexuais, pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento. Queer, pessoas que transitam entre ambos os gêneros. Intersexo, pessoas cujo o desenvolvimento sexual, não se encaixam na norma binária homem/mulher. Assexual, pessoas que não sentem atração afetiva/sexual por outras pessoas, independente do gênero. + abriga todas as possibilidades de orientações sexuais e gêneros.

A sigla já foi GLS; gays, lésbicas e simpatizantes. GLBT; gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. E LGBT; o mesmo de GLBT, mas o L de lésbicas foi para frente, simbolizando a luta pela equidade de gêneros.

Mulheres trans

A expectativa de vida do brasileiro é de 74,6 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto a expectativa de vida das pessoas trans no Brasil, cai pela metade, 35 anos. Vítimas de transfobia (sentimentos e ações negativas, discriminatórias e preconceituosas em relação às pessoas transgêneros, com repulsa e violência), dos assassinatos de transexuais do mundo, 40% são no Brasil, de acordo com a Unesp 2015. No mesmo ano aconteceram 295 assassinatos de pessoas trans no mundo, onde 123 foram no Brasil, de acordo com a ONG Transgender Europe.

O estado tem um papel fundamental para cumprir, com leis e políticas públicas de inclusão. Conforme a sociedade avança, a legislação, caso não avance junto, se torna falha. Em 2016 antes do golpe de estado, a então presidenta Dilma Rousseff, assinou o Decreto 8.727/2016, permitindo o uso do nome social de transexuais e travestis na administração pública da União. Em 2019, foi aprovado na CCJ o Projeto de Lei do Senado Federal 191/2017 que estende a proteção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 2006) a mulheres trans. A relatora, senadora Rose de Freitas (Pode-ES), em seu parecer afirmou “Somos pela conveniência e oportunidade de se estender aos transgêneros a proteção da Lei Maria da Penha. De fato, já se localiza mesmo na jurisprudência decisões nesse exato sentido. Temos que efetivamente é chegado o momento de enfrentar o tema pela via do processo legislativo, equiparando-se em direitos todos os transgêneros” Fonte: Agência Senado.

São passos, mas pequenos, enquanto mulheres trans continuam sendo arrastadas para fora de banheiros femininos, espancadas na rua, e com dificuldades de encontrar trabalho. Uma pesquisa realizada em 2012, pela Associação das Travestis e Transexuais do Triângulo Mineiro, divulgou que apenas 5% das travestis e transexuais de Uberlândia estavam formalmente empregadas, enquanto 95% estavam se prostituindo. A evasão escolar também é algo preocupante e recorrente. Das mulheres trans e travestis, 82% delas abandonam o ensino médio, entre os 14 e 18 anos, de acordo com a pesquisa realizada pela RedeTrans em 2017 (Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil).

Um dos erros mais comuns é supor que, todas mulheres trans desejam fazer a cirurgia de mudança de gênero. A cirurgia de redesignação sexual, preserva a sensibilidade genital, e a aparência externa da vulva é como de qualquer outra mulher cisgênero (mulheres que se identificam o seu gênero de nascença). Um procedimento eficaz, que é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008, com uma fila enorme e, caso paga, a cirurgia custa em torno de R$ 20 mil. No entanto, essa é uma escolha pessoal, e é perfeitamente normal decidir por não realizá-la. Assim como a utilização de hormônios (como o Estradiol) que no Brasil chegou em 2013, no Hospital das Clínicas de São Paulo. Possibilitando o desenvolvimento de algumas características do novo sexo, como por exemplo, o crescimento de mamas. Mas assim como a cirurgia, não há obrigatoriedade do tratamento, sendo mais uma vez, uma escolha particular. Uma mulher trans já é uma mulher muito antes de tratamentos e cirurgias. Em 66% dos transexuais, a incongruência aparece na infância, e se aceitar e amar, é também ter escolha sobre como se expressar.

A sociedade construiu o que é ser feminina e masculino. Mas são caixinhas que já não cabem mais, isso é, se um dia couberam. Desde pequenos somos ensinados o que é coisa de menina e de menino, e como cada um deve se comportar e agir. Mas são apenas cores, objetos, roupas… e em nada disso há gênero. Uma mulher trans, por exemplo, pode ser lésbica e “masculinizada” e não será menos mulher trans por isso. E como boa parte do que foi dito até aqui, o contrário é verdadeiro, homens trans, também. A expressão de gênero não está associada à identidade, e nem à orientação.

A representatividade é algo importante e empoderador. Alguém para se espelhar e enxergar possibilidades de ser quem se deseja. Mulheres como Thiessita, youtuber com 736 mil inscritos e Mandy Candy, com 1 milhão, são exemplos de mulheres trans que superaram o preconceito, para ajudar tantas outras mulheres na transição. Andreja Péjic, mulher trans e modelo, em 2017 foi anunciada como rosto da famosa marca de maquiagem, Make Up For Ever; e Laverne Cox, que estrelou em Orange Is The New Black, Netflix; Jamie Clayton, a Naomi Marks de Sense8, Netflix. Mulheres que inspiram a comunidade T inteira. Por outro lado, o Brasil é o país que mais consome pornografia transexual. O que propaga a fetichização e objetificação dessas e de tantas outras mulheres trans. Isso quando não tratada como doença, pelos mais conservadores e extremistas da sociedade. O que é outro completo e absurdo erro.

Pessoas marginalizadas, em situação de vulnerabilidade, por apenas serem quem são. “A transexualidade é, antes de mais nada e acima de tudo, sobre nós e nossos corpos e nosso direito de ser feliz dentro deles, não sobre todas as convenções sociais ou a política de gênero ou sobre o que você acha que a sociedade deve ser ou o que você acha melhor para nós. ” Natalie Reed.

Luanna Mikaella, mulher trans e estudante, conta que a falta de respeito e empatia é o que mais a revolta, ser vista como disse com “maus olhos”. “Vejo que muitas coisas precisam melhorar, mas a mais importante é o conhecimento, uma pessoa com conhecimento sobre algo, é difícil ser ignorante sobre o mesmo (…) Temos que trabalhar sempre melhor, por que qualquer erro pesa mais na gente”. Sobre o processo de aceitação, e a dificuldade de se assumir para a família, ela afirma, “pensando como vai ser sua vida dali em diante, como seus pais vão lidar, se não vão te expulsar de casa, o que em muitos casos acontece, se vai conseguir um trabalho ou vai viver de prostituição”. Mas Luanna completa, “é melhor viver sendo quem é, do que viver escondida”

Rodris Ferreira é trans, escritora e estudante da História da Arte, “ser uma pessoa transexual muitas vezes pode ser difícil, a sociedade não está preparada para ter pessoas como nós ganhando voz e, normalmente, as pessoas não sabem lidar com a diversidade de uma geração que se desenvolve com base no discurso de sermos quem somos.” E completa, “esse dia é importante para toda a comunidade trans e travesti, precisamos de empregos, de locais que nos apoiam, que nos tratem como pessoas (…) parece que as coisas estão difíceis no nosso país, mas para nós que sempre nos negligenciaram lugares de acesso, as coisas estão difíceis há muito tempo. Corremos o risco de perder nossos direitos e, novamente, sermos esquecidas. Sofremos preconceito de todos os lados, dentro da própria comunidade LGBTQIA+, em casa, na rua, no trabalho, somos constantemente atacadas”. A desinformação leva ao erro e como Rodris diz ”a educação é o que nos faz evoluir. É sempre bom perguntar “como você quer ser tratada? ”, não é ruim perguntar como uma pessoa quer ser chamada, isso é um direito dela”. E pede “ajude pessoas trans, não deixe elas serem agredidas, xingadas, expulsas de banheiros, não deixe que a transfobia se normalize no seu cotidiano. A transfobia mata todo dia e não podemos ignorar.”

“Hoje é uma data que me faz lembrar de tantas que foram assassinadas pelo preconceito, me faz lembrar de Dandara. Dandara foi morta brutalmente por um grupo de homens que não aceitavam seu gênero, hoje Dandara brilha no mundo inteiro. Dandara se faz presente na nossa luta, junto com tantas outras que lutaram até a morte para que eu pudesse estar aqui escrevendo isso aqui. Pois para eles, não devíamos estar vivas para contar nossas histórias. Estamos vivas e presentes, nossas histórias serão contadas por muito tempo. Dandara presente. Todas as pessoas que morreram por simplesmente existirem e serem quem são, presente.” Rodris Ferreira

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