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It Girls + Cool Girls Book Club: A Filha Perdida de Elena Ferrante

Existem livros que escancaram a alma como uma porta antiga sendo empurrada pelo vento — rangendo, resistindo, mas abrindo. A Filha Perdida, de Elena Ferrante, é exatamente isso: um mergulho tenso e brutal nas fissuras da maternidade, nas camadas do ser mulher, e nos abismos que escolhemos (ou não) encarar. Um livro que não alisa nem pede desculpas. Que simplesmente é. E por isso, é genial.

Acompanhamos Leda, uma professora universitária de meia-idade, que durante suas férias na praia se depara com uma jovem mãe e sua filha. Esse encontro aparentemente banal faz Leda encarar seu próprio passado como mãe — não com a romantização que se espera, mas com a crueza de quem ousa dizer que nem sempre a maternidade é doce. Às vezes é só exaustão, culpa e um desejo surdo de desaparecer.

Elena Ferrante escreve com uma frieza elegante. Não há excesso de adjetivos, nem floreios: só a verdade, nua e incômoda. E é justamente isso que torna o livro tão forte. Cada frase parece calculada para incomodar, como se Ferrante perguntasse o tempo inteiro: “você tem certeza de que quer continuar lendo isso?”. E, claro, a resposta é sim.

Leda é uma personagem que não busca agradar. Ela é contraditória, imperfeita, e completamente humana. Sua relação com as filhas, com o passado, com o próprio corpo, é atravessada por tensões que raramente vemos tão bem colocadas na literatura. Há uma coragem imensa em escrever uma mulher como ela. E uma coragem ainda maior em amar essa personagem — o que, confesso, eu amei.

Se o livro é um soco seco, o filme é o eco desse soco. Maggie Gyllenhaal entendeu tudo na adaptação: a solidão, a inquietação, o peso do não-dito. Olivia Colman está absurdamente entregue, e Jessie Buckley, como a versão jovem de Leda, acerta cada nuance do colapso íntimo que se esconde por trás da normalidade.

Ler A Filha Perdida é como segurar um espelho em chamas: ele reflete, mas queima. É um convite desconfortável e necessário para olhar para dentro — para nossas escolhas, ausências e silêncios. E o que mais posso dizer além de: eu amei. Amei o livro. Amei o filme. E amei o jeito como ambos me deixaram em pedaços — mas pedaços que, estranhamente, me pareceram mais meus.

Trilha sonora sugerida: King – Florence + The Machine.

⭐⭐⭐⭐⭐

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