Elas foram queimadas, perseguidas, silenciadas. Foram chamadas de loucas, hereges, perigosas. Mas por trás do chapéu pontudo, da vassoura simbólica e das fogueiras inquisitoriais, talvez estivessem as primeiras mulheres a desafiar, com coragem e feitiço, a ordem patriarcal estabelecida. Seriam as bruxas as primeiras feministas da história?
O que hoje é fantasia pop e estética mística já foi sinônimo de resistência perigosa. Na Idade Média e Moderna, em uma Europa sacudida pela fome, pelas pragas e por uma fé cega que se confundia com política, milhares de mulheres foram acusadas de feitiçaria. Algumas eram parteiras, curandeiras, viúvas, mulheres solitárias, ou apenas mulheres que ousaram existir fora dos limites do aceitável. Em comum? A independência.
A bruxa foi o corpo indomável.
A boca que não se calava.
A mulher que sabia demais.
Segundo a historiadora Silvia Federici, autora do clássico Calibã e a Bruxa, a caça às bruxas foi, na verdade, uma campanha sistemática para subjugar o corpo feminino num momento em que o capitalismo emergente precisava de mulheres dóceis, reprodutivas e dependentes. A mulher que controlava o próprio corpo, que curava com plantas e que se reunia com outras mulheres representava uma ameaça, não apenas espiritual, mas econômica e social.
A fogueira, então, não foi só castigo religioso. Foi política de controle.
Mas como tudo que é reprimido volta com mais força, as bruxas ressurgem hoje como símbolo de empoderamento feminino. Estão nos livros, nas redes sociais, nos rituais de autocuidado, nos círculos de mulheres, nos protestos feministas. Elas deixaram de ser uma ameaça silenciosa e passaram a ser uma metáfora poderosa: da mulher que se conhece, se cura, se protege e que se une a outras para transformar.
Hoje, ao acendermos uma vela, ao respeitarmos nosso ciclo, ao cuidarmos umas das outras, ao gritarmos por nossos direitos, estamos, talvez, continuando o feitiço. Queimaram corpos. Não queimaram ideias. E como toda boa bruxa sabe: a chama que acende dentro, ninguém apaga.