“Às vezes, eu queria sentir menos. Mas aí não seria eu.” A frase não está na série Too Much, da autora e cineasta norte-americana Lena Dunham, mas poderia. Em sua nova criação, Dunham reafirma seu lugar como cronista das mulheres que, assim como ela, não apenas vivem, mas transbordam.
Conhecida por ter revolucionado a televisão nos anos 2010 com Girls (HBO), Lena retorna agora com uma nova história: a de Jessica, uma mulher americana que, após um término doloroso, troca Nova York por Londres. Na bagagem, leva apenas suas neuroses, seus sentimentos intensos e a esperança de se reconstruir.
Quando Girls estreou em 2012, Dunham tinha apenas 25 anos. A série, que acompanhava um grupo de quatro amigas tentando sobreviver (e se entender) na Nova York dos millennials, foi imediatamente comparada a Sex and the City, mas com menos glamour e muito mais vulnerabilidade.
Hannah Horvath, a protagonista interpretada pela própria Dunham, era uma escritora aspirante, egocêntrica, despida (literalmente e emocionalmente) e deliciosamente caótica. Era impossível amá-la sem também se irritar com ela, e era exatamente esse o ponto. Dunham sempre esteve interessada em personagens reais, desconfortáveis, que testam a empatia do espectador. Gente que não se encaixa nos moldes tradicionais do que se espera de uma “heroína”.
Em Too Much, esse olhar permanece, mas com mais maturidade. A personagem Jessica, interpretada por Megan Stalter, é uma mulher queer, sensível e barulhenta, que tenta se reinventar do outro lado do oceano. Em Londres, ela se apaixona por Felix (Will Sharpe), um inglês reservado e introspectivo.
A série bebe do caos emocional de Girls, mas aqui o foco é o amor adulto e suas contradições. Jessica não é uma adolescente emocional que se debate por atenção. Ela sabe o que quer: tudo. E isso, muitas vezes, é demais para quem está do outro lado da relação.
Too Much é sobre intensidade e sobre o cansaço que ela provoca. Mas é também um manifesto sobre o direito de sentir, de ser dramática, sensível, contraditória. Em uma era em que o autocontrole é um mantra e a estética da vida “clean” domina as redes sociais, Jessica aparece como um grito. Um lembrete de que viver profundamente, embora exaustivo, ainda é uma forma legítima (e belíssima) de existir.
Visualmente, Too Much é deliciosamente millennial: figurinos ousados, paleta vibrante, referências pop, cenas que mais parecem stories elaborados com filtro retrô. Mas por trás da estética, há uma sensibilidade crua. Dunham não entrega soluções fáceis. O amor, aqui, não salva ninguém. Mas talvez ajude a revelar quem se é de verdade.
Como em Girls, Lena continua desafiando os moldes: da feminilidade, das relações, da própria narrativa. Sua arte é incômoda porque exige que a gente encare o espelho sem filtros.
E, no fim, Too Much talvez seja sobre isso: sobre abraçar aquilo que nos ensinaram a conter. Sobre sentir sem pedir desculpas. Sobre amar, mesmo quando parece demais.
